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Sunday, January 25, 2015

Quinquênio

Hoje completam-se cinco anos de minha mudança para o apartamento, onde passei a morar sozinho e onde estou até hoje. Como esta mudança foi motivo para eu começar e manter este blog, o mais justo é fazer uma retrospectiva de todo este período, mais do que vivi e, em parte, do que escrevi. Essa transição começou ainda em 2009, mas só decolou com a virada do ano. Seria mais prático fazer a mudança durante o mês de janeiro de 2010, enquanto meu pai e minha irmã ainda negociavam a compra da casa onde moram hoje e escolhi o dia 25, aniversário de São Paulo e uma data da qual eu me lembraria facilmente. Aliás, agradeço aos dois por toda a ajuda durante esse período.

Os últimos dias anteriores à mudança foram de algum nervosismo: à época eu não tinha um emprego, receava me arrepender da mudança devido ao risco de ficar isolado e solitário, além de ser refém de meu próprio despreparo para questões domésticas - revisitei posts mais antigos e num deles cheguei a comemorar que aprendi a fazer macarrão, algo absolutamente vergonhoso para qualquer pessoa com mais de treze anos de idade.

Desenvolvi minhas habilidades e um dia fiz um miojo parecido com o macarrão dessa foto aleatória

Havia também a ansiedade pela parte mais positiva. Tornar-me-ia mais responsável e mais bem organizado, seria mais cauteloso com meu dinheiro, teria um harém de universitárias - todos objetivos mais ou menos realistas. E até que pude cumpri-los: aprendi o valor do protagonismo, da iniciativa, de tomar as rédeas de algo, do "ownership", por falta duma tradução exata desta palavra da qual tanto gosto; revi minhas conclusões e notei como já era moderado com as finanças, mas que a principal função dessa prudência deve ser justamente poder proporcionar momentos de generosidade e conforto.

Apenas a parte das muitas universitárias, surpreendentemente, não saiu como planejado. Logo em maio de 2010 já comecei um namoro - que teve duração de mais ou menos um ano - com minha vizinha de porta e, assim, entrei numa fase "balzaca", aproveitando o termo que dela aprendi. Foi o princípio dum rosário de relacionamentos com mulheres em seus trinta e alguns anos. Apesar da forma como falei deste período, eu o cito não pela quantidade de cúmplices, mas pela(s) qualidade(s) destas mulheres e pela forma como me influenciaram. Tive a felicidade de ter a meu lado pessoas fascinantes, divertidas, sensíveis e especiais, cada uma de sua forma. Caso tivesse o dom das artes plásticas, retrataria uma em aquarela, com traços mínimos e pinceladas frágeis, outra com as cores firmes e ar contemplativo imitando desavergonhadamente Edward Hopper, uma como o Fogo ou a Força em meio ao Vazio. E houve, sim, uma universitária: foi a inusitada presença duma moça segura de si, disposta a intrepidamente colorir e reavivar um cenário de cinzas. Sou muito grato pela convivência inesquecível com esta mulher, maravilhosa desde tão cedo.

Simulação da prosa com Givaldo e Zé
Enfim, chega de me gabar. Depois da mudança houve, de fato, um baque por passar os dias sozinho e sem uma ocupação. Cheguei a ler O Cortiço em apenas uma investida, visitava uma lan house próxima de casa para cadastrar currículos e interagir com amigos através do Orkut. Às vezes passava algumas horas na portaria de meu prédio, a prosear com o Givaldo, porteiro petista e o Zé Peres, um tucano que supostamente conhece cada palmo, acontecimento e personagem da história de Campinas. Mas em junho de 2010 comecei a trabalhar na IBM (após participar sem sucesso dum outro processo seletivo que me levaria até a SAP, em São Leopoldo-RS) e fui reinserido na sociedade. E tive a sorte de cair num time de gente trabalhadora e amiga, com alguns integrantes que são pessoas importantes para mim até hoje. Mais tarde ganhei de presente da minha irmã a Bolacha, hamster que foi minha companheirinha por quase dois anos. Apesar das limitações causadas pela delicadeza de sua estrutura e por seu pouco tamanho, ela cumpriu bem seu papel de bicho de estimação. Agora que o analiso em retrospectiva, vejo como 2010 foi um ano agitado.

(Agora farei uma passagem rápida por vários eventos menores posteriores. Sugiro que se ouça um hard rock bem farofento para acompanhar a montagem, um expediente muito explorado nos filmes dos anos 80)
Então o que era novidade passou a se transformar em rotina e, aos poucos, surgiram preocupações maiores do que conseguir fazer arroz sem que ele terminasse como uma papa ou torrado. Aprendi a fazer compras menores e mais baratas, ao contrário da primeira, que mal coube nos poucos armários - que vieram a ser ampliados mais tarde. Constatei que realmente não preciso dum carro, ao menos vivendo onde vivo e trabalhando onde trabalho. Venci (parcialmente) a timidez quando precisei reclamar do barulho feito por vizinhos diferentes. Visitei Buenos Aires, comecei a estudar para valer o espanhol e devido ao idioma também mudei de área na empresa em que trabalho e fui promovido. Um ano depois visitei Montevidéu, cidade em que passei sufoco pela imprevista indisponibilidade de saques de dinheiro - mas me virei bem com o idioma e agora estudo russo. Errei com a logística desta viagem, como vim a errar outras vezes: no trabalho, no cuidado com a casa, em alguns relacionamentos. Alguns destes erros foram bem corrigidos, como quando demorei para corrigir um problema de vazamento em meu banheiro e a solução mais prática foi reformar todo o cômodo. Outros erros serviram pelo aprendizado que trouxeram (pelo menos consegui transforma-los em algo, ainda bem).

O aprendizado - e incluamos como parte dele o autoconhecimento - é o mote deste período de cinco anos, concluo. Era o que esperava, mas não imaginei que cresceria tanto em tão pouco tempo e de maneiras tão inusitadas, mesmo não estando exposto às condições mais inconvenientes. Viver sozinho é viver consigo mesmo, o que pode parecer óbvio e até mesmo redundante, mas é um desafio às vezes massacrante ter de encarar de frente uma insegurança, um medo ou um erro. E aí podemos nos esconder em distrações como redes sociais, smartphones, sair ou fazer o que for, mas uma hora será preciso deitar a cabeça no travesseiro, em meio à escuridão e ao silêncio. E depois de tantas experiências que puseram minhas convicções e eu mesmo a prova, aprendi bastante, mas principalmente que não podemos fugir de quem somos. Há espaço para evolução e mudanças, mas há um âmago que carregamos conosco e contra o qual não podemos lutar. Ou talvez seja só comigo, quem sou eu para dizer isso no plural, não é?

Aquela epifania que nos atropela durante o banho ao enquanto a água ferve na chaleira

Créditos das pinturas nos links
Aquarela: Other Wrongs, de Agnes Cecile
Edward Hopper: Summer Evening, de Edward Hopper
O Fogo e a Força: Gone with the Wind, de Dima Dmitriev

Friday, January 2, 2015

Cinco livros - 2014

Atendendo à sede da massa de leitores que enviou um total de hum (01) pedido, farei também uma lista com minhas cinco leituras preferidas de 2014. Foi mais fácil escolher os cinco títulos literários porque mais assisti do que li histórias em 2014, mas reparei que era sim possível ter lido mais no ano que passou - sessenta a trinta e poucas leituras, aí contando até uma encíclica papal (Rerum Novarum, aquela em que se mostra que não é preciso ser socialista para se preocupar com condições do proletariado). Talvez seja o caso de me impôr um número mínimo no ano para que eu perca menos tempo lendo o feed do Facebook.

As Barbas do Imperador - Lilia Schwarcz


Conforme dito na versão digital disponível neste link, o "misto de ensaio interpretativo e biografia" é um riquíssimo retrato de quem foi Dom Pedro II e, de igual importância, como era o Brasil Império. Lilia conta sobre Dom Pedro I, sobre o nascimento de seu filho e de todos os episódios até o golpe da proclamação da República: os anos da infância em que já era tutelado para governar o Império, o casamento arranjado, seu estabelecimento como líder, a Guerra do Paraguai, seus anos mais tardios quando já se demonstrava cansado de uma vida toda dedicada a seu cargo e o exílio na Europa. Também narra-se como se davam as relações da nobreza, as festas populares e a vida na corte.

Recomendo o livro muito pelas suas qualidades e pelo espetacular trabalho de Lilia, mas principalmente pelo grande brasileiro que foi Dom Pedro II, "Defensor Perpétuo" do Brasil. Em períodos em que somos governados por políticos corruptos, desonestos, incompetentes, oportunistas, baixos e pusilânimes - sejam eles de qualquer partido que se pensar - é alentador pensar que já tivemos um estadista da grandeza de Pedro II.

A Leste do Éden - John Steinbeck


Mais conhecidos por As Vinhas da Ira (que, se não me engano, terá uma nova versão cinematográfica), Steinbeck escreve mais uma vez sobre a Califórnia, mais especificamente sobre o Vale de Salinas, uma região predominantemente rural do estado. Neste vale destacam-se duas famílias, os Trasks e os Hamiltons, cujos integrantes se envolvem em episódios cujos temas passeiam por temas como amor, liberdade, trabalho, depravação, incapacidade de adaptação ao meio em que se vive e, claro, inveja - muitos elementos do livro são referências direta ao livro bíblico de Gênesis, como insinua o título. Além da brilhante narrativa e da forma especial de Steinbeck de entender e explicar o ser humano, destaco um ponto adicional: Lee, um personagem simplesmente cativante e que desperta nossa curiosidade, embora seja apenas um coadjuvante na história - esta considerada pelo próprio escritor como sua obra prima.

A Indústria do Holocausto - Norman Finkelstein


Norman Finkelstein, americano filho de judeus poloneses, discorre sobre a forma como o Holocausto - outrora um acontecimento que desejavam que se tornasse esquecido e posto no passado da comunidade judaica - passou a ser usado como artifício ideológico para obter imunidade e até condição de vítima perante a comunidade internacional e legitimar os excessos cometidos pelo estado de Israel, uma potência militar e tecnológica. Outro uso rasteiro que se faz é a exploração de países como Alemanha e Suíça (pois aí estaria dinheiro deixado pelos nazistas) feita por ONG's que não repassam seus ganhas a sobreviventes dos campos de concentração e indivíduos que não tiveram ligação nenhuma com a perseguição feita aos judeus.

Obviamente, Finkelstein tornou-se um pária entre seu povo. Ele não segue uma linha revisionista ou até negacionista, como alguns outros autores que, por exemplo, contestam os números de vítimas judias durantes a Segunda Guerra Mundial. Sua severa crítica, porém, é direcionada apenas a personagens que parasitam a catástrofe alheia e, consequentemente, alimentam sentimentos antissemitas.

O Velho e o Mar - Ernest Hemingway


Eu já havia lido outros romances de Hemingway antes, mas nenhum havia me prendido como este. Não que eu os achasse ruins, eu apenas não conseguia me entusiasmar como imaginava que me entusiasmaria com o trabalho do escritor americano. O velho e o mar, no entanto, foi uma surpresa: abri seu arquivo no Kindle apenas para conferir se ele era muito longo ou não (não dá para realmente saber disso até que se abra o arquivo) e li tudo num golpe só. É pouca coisa, é verdade, leva-se pouco mais de uma hora para terminar, mas foi o tamanho ideal para contar a história do pescador Santiago.

O pescador atravessa uma maré de azar que já se aproxima de seu nonagésimo dia quando, por sorte ou azar, fisga o que presume ser um marlim. É difícil determinar exatamente qual é o peixe, mas sua grandeza se torna óbvia quando ele arrasta o barquinho de Santiago consigo até o alto-mar. Durante o restante do livro acompanhamos a luta de dias do pescador contra o peixe, o mar, o sol, as dores e a velhice. "Poxa, mas é só isso, o homem só fica lá pescando?", podemos indagar. Não, é muito mais: é uma história sobre resignação, dignidade e resiliência.

The Age of Faith - Ariel e Will Durant


No começo do post comentei que li menos livros do que eu gostaria neste ano, mas eu havia me esquecido que graças ao casal da imagem acima li cerca de mil e cem páginas sobre a forma como o judaísmo, o islamismo e o cristianismo ajudaram a construir a Europa e o Oriente Médio durante os séculos da Idade Média - injustamente tratada como "Idade das Trevas", como se os continentes sofressem um apagão com a decadência de Roma e acordassem prontos para a Renascença. Por mais impressionante que a obra pareça por sua extensão, The Age of Faith é apenas o quarto volume duma série de onze livros chamada The Story of Civilization, um estudo minucioso que parte da fundação das primeiras civilizações que conhecemos e termina nos anos em que Napoleão foi derrotado em solo russo. TAOF me cativou não apenas pela variedade assombrosa de dados e informações, mas também por sua abrangência e pela forma como Will e Ariel souberam integrar acontecimentos que pareciam correr paralelamente.

Thursday, January 1, 2015

Cinco filmes - 2014

O ano terminou. Houve Copa, Dilma foi reeleita (inclusive a transmissão de cerimônia de posse está começando, mas sigo acompanhado as partidas do campeonato inglês), publiquei minha retrospectiva e, devido a uma boa dose de saco cheio motivação, resolvi fazer uma lista com os cinco filmes dos quais mais gostei de assistir em 2014. 

Em algum dos primeiros meses defini como meta assistir pelo menos cinquenta filmes para compensar a minha defasagem cinematográfica e cheguei a sessenta. Alguns se destacaram pela arte, pela direção, pelas atuações ou pelo enredo. Alguns foram catastróficos. Mas no geral o saldo foi positivo, desde que eu passasse pelo IMDb para conferir a nota de cada filme antes do download a fim de evitar novas bombas. Bom, chega de papo, vamos aos meus cinco filmes favoritos do ano passado.




Drama dirigido por Clint Eastwood, com Kevin Bacon, Tim Robbins e Sean Penn (estes últimos, vencedores dos Oscar de melhor ator coadjuvante e melhor ator, respectivamente, graças a este trabalho). Os três atores que destaquei interpretam amigos de infância que se reencontram depois de anos de distanciamento, ligados por um crime brutal investigado por Sean Devine (Bacon). O reencontro faz com que revelações perturbadoras surjam sobre o crime e sobre o passado do trio.





Ouvi sobre esse filme pela primeira vez como "o filme das gostosinhas se pegando" ou algo que o valha. As gostosinhas em questão são Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux), duas jovens que, obviamente, se envolvem no decorrer do filme em cenas um tanto explícitas. Porém, não se deve limitar esta obra a algumas cenas de erotismo. Muito pelo contrário: nas três horas de história acompanhamos Adèle em sua trajetória do vazio duma vida de tédio e enfado à plenitude, num caminho trilhado através de decepções, dúvidas, incertezas e descobertas, tudo retratado de forma bastante realista, sem artifícios espetaculares. Quanto às cenas de erotismo, a princípio achei-as demasiadamente arrastadas, com uma delas inclusive beirando os dez minutos de duração. Estas cenas, no entanto, surgem como regra e não como exceção: o filme todo caminha neste ritmo bastante natural de construção de relacionamento. Aos poucos as partes estudam-se, cedem mais e mais confiança até sentirem-se suficientemente confortáveis para baixarem a guarda.




Rush se propõe a contar sobre a rivalidade entre os pilotos de Fórmula 1 James Hunt e Niki Lauda no fim dos anos 70 e, concordo com a Bets, peca por contar apenas o lado do austríaco - embora o inglês seja um personagem muito mais interessante do que seu adversário, mesmo com o acidente sofrido por Lauda. É como uma história da cigarra e da formiga, em que se mostra que é importante trabalhar, se esforçar e regular seu motor durante o verão para não passar fome no inverno. E por que estou recomendando um filme que falha em sua premissa inicial? Porque ele é um filme e não um documentário: apesar dessa perda da imparcialidade ele ainda é muito divertido, mostra a F1 duma maneira espetacular e numa época espetacular.


 

Uma grata surpresa que descobri através dum anúncio quando os canais do Telecine estavam abertos para os plebeus menos favorecidos: um filme dinamarquês, cujo único ator que eu conhecia era o protagonista Mad Mikkelsen, mais famoso por seu papel como vilão em Casino Royale. O tema é bastante familiar a qualquer estudante ou jornalista formado, que sempre volta a ouvir sobre o caso da Escola Base. Lucas (Mikkelsen) é acusado de molestar sexualmente uma das alunas da escola infantil em que trabalha, a filha dum casal de amigos que nutre afeto pelo professor devido à forma como ele cuida da garota quando seus pais brigam. Lucas luta para provar sua inocência, mas é marginalizado e cada vez mais hostilizado na pequena cidade em que vive; seu filho é a única pessoa a defendê-lo. Por coincidência vi este filme na época das eleições presidenciais, período dum vale-tudo asqueroso de ofensas, insinuações, boatos e calúnias reproduzidas fartamente por tucanos, petistas e até por quem não estava em lado algum. Quantas vezes encontramos tempo para analisar, apurar e conferir a veracidade de cada nova informação que conseguimos distinguir no meio da avalanche que nos soterra diariamente nas redes sociais, mesmo as que não compartilhamos?




Aqui tenho que confessar uma distração minha: sempre via algum trecho deste filme na televisão e achava que James McAvoy interpretava um príncipe ou rei prestes a assumir o trono escocês. Ora, mas que trono, se este país é parte do reino britânico? Na verdade o título se refere à alcunha adotada pelo ditador Idi Amin, vivido por Forest Whitaker - vencedor do Oscar de melhor ator por esta interpretação. Agora ligo os dois homens: McAvoy interpreta Nicholas Garrigan, um médico recém-formado e aflito para sair o quanto antes da casa de seus pais. Aflito, ele pega um globo para girá-lo e escolher seu próximo destino: o primeiro lugar que seu dedo encontrasse. O mundo gira e o acaso escolhe por ele: Uganda. Nick chega ao país africano, trabalha como médico dum vilarejo e meio que sem se dar conta, assiste à ascensão de Amin como líder após um golpe militar. Posteriormente os dois se conhecem e Nick é convidado a ser o médico pessoal do líder. Ele aceita a oportunidade e conquista a confiança do ditador, mas fecha os olhos para as excentricidades e abusos de poder realizadas até que estas passam a se tornar um risco para o médico.

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